A recente proposta do governo Donald Trump de criar um reality show no qual imigrantes competiriam entre si para conquistar o green card — documento que garante residência permanente nos Estados Unidos — causou um alvoroço político e moral tanto no país quanto internacionalmente. A ideia, que segundo apurações da CNN Brasil e do The Guardian está em fase de avaliação oficial pela Casa Branca, prevê a produção de um programa televisivo onde imigrantes passariam por “desafios” que testariam sua “compatibilidade com os valores americanos”, em troca da chance de regularizar sua situação migratória.
A proposta, embora ainda não formalizada em termos legais, está sendo discutida como uma ferramenta de “entretenimento educativo e seletivo”, segundo fontes da administração Trump citadas pela Revista Fórum. Para o presidente — líder de uma agenda migratória ultranacionalista — o programa seria uma forma de “mostrar ao povo americano quem são os imigrantes que realmente merecem estar aqui”, nas palavras de um assessor ouvido pela CartaCapital.
A proposta, no entanto, foi recebida com forte repúdio por organizações de direitos humanos, especialistas em ética e juristas. A diretora do American Immigration Council, Nicole Melaku, afirmou à CNN Brasil que a iniciativa é “desumanizadora e transformaria uma questão de vida ou morte em entretenimento televisivo”. Ela ressalta que muitos imigrantes vivem em condições precárias, fugindo de guerras, perseguições ou crises humanitárias, e que “submetê-los a uma competição televisiva reforça estereótipos cruéis e normaliza a lógica de que direitos devem ser conquistados por mérito espetacularizado”.
Para a jornalista Mariana Janjacomo, colunista da CNN, a ideia “se aproxima perigosamente de uma distopia”, onde a cidadania deixa de ser um direito regulado por lei e se torna prêmio de um jogo de popularidade. Já o cientista político norte-americano Peter Beinart, citado pelo The Guardian, afirmou que a proposta é uma extensão do projeto trumpista de transformar políticas públicas em espetáculo: “É a governança como reality show, onde a empatia é substituída pela audiência”.
A medida também tem implicações legais. Advogados especialistas em imigração alertam que o green card é concedido com base em critérios objetivos — como vínculos familiares, oferta de trabalho ou status de refugiado — e que condicionar sua obtenção a um programa de entretenimento pode violar princípios constitucionais de igualdade e dignidade. “Isso cria uma classe de imigrantes subordinada ao ridículo público, num ambiente de total assimetria de poder”, afirmou a advogada Lorella Praeli, diretora da organização Community Change Action, em entrevista à InfoMoney.
Nos bastidores, a proposta estaria sendo discutida como parte de uma estratégia para elevar os índices de aprovação de Trump junto à base conservadora, às vésperas de uma nova disputa presidencial. Segundo reportagem do G1, a ideia é transformar a narrativa de “seleção de imigrantes bons” em um ativo político, explorando o ressentimento de parte do eleitorado contra a imigração irregular.
Observadores internacionais têm expressado preocupação com o precedente que a medida pode estabelecer. Transformar processos migratórios em disputas televisivas pode abrir espaço para práticas degradantes e alimentar discursos xenofóbicos. Para o sociólogo Javier Espinosa, professor da Universidade de Berkeley, ouvido pela CartaCapital, “o projeto reduz o drama da migração a um enredo de reality show, esvaziando sua complexidade histórica, política e humanitária”.
O governo Trump, no entanto, segue defendendo a ideia como uma “inovação comunicacional”. A iniciativa seria inspirada no sucesso de programas anteriores nos quais Trump foi apresentador, como o famoso The Apprentice. Mas, diferentemente de disputas empresariais, o destino de milhares de famílias agora pode ser submetido ao crivo de uma audiência que escolhe, a partir de critérios subjetivos, quem “merece” uma vida digna.
No contexto mais amplo, a proposta revela não apenas o endurecimento das políticas migratórias, mas também a crescente espetacularização da política como produto de consumo. A cidadania, antes um pilar jurídico, corre o risco de se tornar performance. Em um cenário de crescente desinformação e culto à imagem, a fronteira entre Estado e espetáculo parece cada vez mais tênue — e perigosamente manipulável.
https://www.theguardian.com/us-news/2025/may/16/trump-tv-gameshow-citizenship-report