Em 28 de julho de 2021, mesmo dia em que há 200 anos atrás o general José de San Martín proclamava a independência do Peru, Pedro Castillo (Perú Libre) assumiu a presidência do país e discursou sobre a sua intenção de romper com as desigualdades iniciadas na era colonial e que persistem até hoje. Em homenagem aos povos originários e aos oprimidos, como ele próprio se identifica, afirmou que “Apesar de comemorarmos uma data tão simbólica, nossa história vem de muito antes. Somos um berço de civilizações há mais de cinco mil anos”.
Campesino e de origem humilde, Pedro Castillo é um professor primário de 51 anos e ex-integrante das rondas camponesas, organizações de defesas comunais. Não esconde sua moral conservadora, e a utiliza para justificar sua rejeição ao aborto, ao casamento homossexual e à eutanásia. Ganhou notoriedade quando, em 2017, organizou uma greve do magistério pelo país que durou 75 dias. Ao início da campanha fez promessas radicais e de reformas estruturais, mas algumas já sofreram alterações pelo seu “guru econômico”, Pedro Francke, que nega as desapropriações, estatizações e controles de preços. A nova postura, adotada a partir da aliança com o economista, visa atrair a classe média, que suspeita de governos de esquerda autoritários em face das experiências latino-americanas nesse sentido.
O empresariado, porém, junto à direita mais indisposta à negociação, alinhou-se à candidata do partido Fuerza Popular, Keiko Fujimori, filha do ex-presidente e ditador Alberto Fujimori, que encontrava-se preso há 25 anos por violações dos direitos humanos, anuência a esquadrões da morte e corrupção. Keiko, por sua vez, passou três meses presa no ano passado por envolvimento no escândalo de corrupção da empresa Odebrecht.
Em nome do antimarxismo e do medo das mudanças econômicas, o Congresso e parte da população apoiaram sua candidatura. Mario Vargas Llosa, nobel de literatura, rival derrotado de Alberto nas eleições de 1990 e anti fujimorista, declarou, em sua coluna no El País espanhol, que “Keiko Fujimori representa o mal menor”. Percebe-se, portanto, que o fujimorismo, que vê o governo do pai de Keiko (1990-2000), com saudosismo e argumenta que tenha sido a salvação contra o maoísmo do movimento guerrilheiro Sendero Luminoso, não constituiu a única base de apoio da rival de Pedro Castillo.
Na cerimônia de posse, Castillo optou por um discurso otimista, com promessas e um ímpeto de mudanças. Sua grande ambição, defendida já nesse momento, é convocar uma Assembleia Constituinte para reformar a Carta peruana (1993), herança do governo Fujimori, por uma com menos entraves às reformas tidas como necessárias. Francke explica, em entrevista ao jornal econômico Gestión, que o documento “diz que o investimento estrangeiro tem os mesmos direitos que o investimento nacional. Nenhuma constituição do continente americano tem um artigo como esse”.
Porém, a incerteza do futuro é expressiva quando analisa-se a sua governabilidade. A quase imperceptível margem de diferença entre os dois candidatos: 50,12% de Pedro Castillo contra 49,87% de Keiko Fujimori, comprova a ausência de tranquilidade que seu mandato prevê, e, além disso, seu partido é minoria no Congresso, possuindo apenas 37 de um total de 130 cadeiras, e não está presente na mesa diretora. A instituição que define o quanto o presidente conseguirá executar os projetos que o elegeram é ocupada, majoritariamente, por temerosos do marxismo-leninismo que o partido vencedor representa.
O primeiro contratempo enfrentado foi a demora no reconhecimento de sua vitória. Internamente, sua rival entrou com oito recursos para anular os resultados de cinco cidades, além de argumentar, sem provas, que as eleições haviam sido vítimas de fraude. Organismos internacionais criticaram sua postura, comparando-a à de Donald Trump nas últimas eleições. Os Estados Unidos e a União Europeia levaram três semanas para reconhecer a integridade das eleições. Em compensação, sua posse contou com o rei da Espanha, Filipe VI, e cinco presidentes da América do Sul. Bolsonaro foi o único líder de países vizinhos que não compareceu à cerimônia, enviando seu vice, Hamilton Mourão. No dia 10 de junho, o presidente do Brasil chamou o processo eleitoral peruano de “coisa esquisita”, por ser realizada em Photochart, um dispositivo eletrônico que identifica as menores diferenças entre os candidatos no pleito. A crítica coincide com sua campanha pelo voto auditável nas eleições de 2022.