As eleições presidenciais na Nicarágua estão marcadas para o dia 7 de novembro desse ano e parece que, mais uma vez, Daniel Ortega e sua esposa, a poetisa Rosario Murillo, serão os eleitos. Ortega está no governo do país desde 2007, tendo sido reeleito em 2011 e em 2016. Na Nicarágua não há limite de mandatos. Também foi presidente de 1985 a 1990, e participou da Junta de Governo que comandou o país após a Revolução Sandinista, que derrubou o ditador Anastasio Somoza Debayle, derrotando a dinastia da família Somoza. Seus mandatos são marcados por um extremo saudosismo ao Movimento Sandinista 4 de maio, e aos feitos durante seus governos, como a expressiva redução da pobreza (de 42,5% em 2009 para 30% em 2014), os grandes investimentos em saúde e educação, a diminuição da mortalidade infantil e o enfoque na classe trabalhadora. São motivos de orgulho, para Ortega, a gama de programas sociais que ele desenvolveu, como “Ruas para o Povo”, “Desgaste Zero” e “Tudo Consigo”.

A reeleição este ano, porém, não está assegurada pelas conquistas listadas. Pelo menos não unicamente. Entre abril e agosto deste ano, o governo de situação logrou em inabilitar os partidos que apresentavam uma ameaça real à vitória do casal Ortega-Murillo. Os grandes veículos de comunicação que se apresentam como opositores de seu governo noticiam como uma eleição sem competição, sem adversários. A questão é que, embora os sete principais opositores de campanha tenham sido impedidos de participar do pleito, por acusações como “traição” ou violação da Lei de Eleição, ainda há concorrentes. No entanto, estes não são levados em consideração, pois, em geral, são membros da alta cúpula do governo ou candidatos desconhecidos, porém coniventes com o governo atual. É nesse sentido que constrói-se a imagem de uma “eleição sob medida”, já que os chamados “opositores reais” estão fora da disputa.

Essa “eleição sob medida” foi consolidada no dia 6 de agosto, quando o governo de Ortega inabilitou a última candidatura ameaçadora, do partido Aliança Cidadãos pela Liberdade (ACxL). O partido teve sua personalidade jurídica extinta, anulando a cédula de identidade da candidata Kitty Monterrey, o último nome restante na possível oposição ao governo de situação. A comunidade internacional rechaçou a atitude do governo e reforçou as críticas constantes à falta de liberdade, perseguição política e violações dos direitos humanos. Vale ressaltar que as prisões de opositores, principalmente dos que estavam na corrida eleitoral, acontecem mediante a aprovação de uma lei, em fevereiro deste ano, que permite o cárcere por até 90 dias de pessoas acusadas de um crime. Antes da nova lei, o prazo era de três dias.

Como forma de punição e denúncia do que ocorreu, a União Europeia instituiu sanções financeiras e restrições de circulação à Nicarágua. O chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, que já havia atentado algumas vezes às violações dos direitos humanos e às prisões políticas que acontecem no país centro-americano, declarou, em discurso ao Parlamento Europeu, que “Ortega quer ganhar as eleições sem concorrência”, afirmando que a oposição teria sido eliminada. A Espanha se posicionou contrária à inibição do ACxL e requisitou que o governo criasse um órgão independente que gerisse o processo eleitoral. A chancelaria da Nicarágua respondeu que “deixou de ser colônia há séculos” e acusou o governo de Pedro Sánchez de ter exercido terrorismo de Estado contra a organização basca ETA (Pátria Basca e Liberdade).

Observando o cenário nicaraguense, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que possui uma proximidade com o governo, aconselhou que Ortega não abra mão da democracia. Em entrevista ao canal mexicano Once, Lula declarou que “Quando a gente pensa que não tem ninguém para nos substituir, nós estamos virando ditadores”, seguindo uma defesa à liberdade de imprensa e de comunicação como fortalecedores da democracia. Nota-se que Lula pede cautela a Ortega para que este não se torne um ditador, enquanto outros governantes e uma gama de meios de comunicação de grande influência, já o caracterizam dessa forma. Um exemplo é a comparação que o jornal português O Público realiza entre Ortega e Somoza, alegando que o primeiro é, hoje, aquilo que combateu no passado.

Imagem: Cesar Perez/Handout via Reuters