Os conflitos armados relacionados à crise climática muitas vezes nos parecem uma ameaça abstrata. Mas para Youssouf, um jovem pastor do centro de Mali, eles já são uma realidade. Ele viaja com o gado de sua família para encontrar pastagens e sente em primeira mão o que sabemos de análises científicas: está mais quente no Mali e a chuva é menos previsível do que costumava ser.
Agricultores no Mali também têm problemas para alimentar suas famílias. Eles cultivam cada vez mais nas terras em que Youssouf e outros homens de sua tribo trazem seu gado para pastar. Isso leva a discussões que muitas vezes resultam em violência. A situação é agravada pelo recrutamento de jihadistas armados de grupos marginalizados da região. Os pastores, em particular, são tratados como jihadistas em potencial tanto pelos militares quanto pelos agricultores malianos.
A violência entre agricultores e pastores é apenas um dos muitos conflitos por recursos naturais que estão aumentando no Mali. À medida que os agricultores usam cada vez mais pesticidas e fertilizantes, os pescadores de água doce sofrem com o escoamento de produtos químicos. Esse problema, por sua vez, é agravado pelas chuvas menos frequentes e mais intensas, outra consequência da crise climática. Em vez de ajudar a resolver esses conflitos, o governo muitas vezes os exacerba por meio da corrupção e de uma política de “dividir para reinar”.
Conflitos diários sobre meios de subsistência caracterizam muitas regiões e aumentarão à medida que o aquecimento global progride. Isso é demonstrado não apenas pelo último relatório do IPCC, mas também por um novo estudo de analistas de dados da empresa norte-americana Good Judgment. Tais conflitos ainda não atingiram o limiar da guerra e a atenção global que realmente merecem.
No Mali, a classe política ignora esses desafios de segurança humana e se concentra em sua própria segurança. Após dois golpes em 2020 e 2021, o Mali é governado pelos militares. Não está claro quando devolverão o poder a um governo civil. Os militares adiaram as eleições por até cinco anos, contra protestos do governo federal, de países da UE e dos vizinhos da África Ocidental, que impuseram sanções duras como resultado. As tensões são particularmente altas entre o Mali e o governo francês, cujos militares estão no país para combater o terrorismo desde 2013 – originalmente a convite do então governo maliano.
Eleições democráticas e um retorno ao governo civil não estão à vista. Além disso, há a luta contra grupos jihadistas armados, cujo curso é acompanhado por graves violações dos direitos humanos. Vários meios de comunicação noticiaram recentemente um massacre perto de Mouro, no qual mais de 200 pessoas teriam sido mortas por soldados do governo e mercenários russos do Grupo Wagner no final de março.
Em fevereiro, a França anunciou a retirada gradual de suas tropas antiterroristas e, no início de maio, o Mali retirou-se do acordo de defesa conjunto. Em vez disso, os mercenários russos agora estão lutando ao lado do exército maliano, e as ONGs os acusam de crimes de guerra.
Muitas missões missões europeias nos últimos anos têm sido explícita ou implicitamente parte da “guerra ao terrorismo” global. No entanto, este é um ponto de partida muito ruim para missões em sociedades frágeis, onde o cerne dos conflitos é muitas vezes a marginalização e privação de parcelas da sociedade – o que os grupos jihadistas gostam de explorar. Pesquisas também mostram que, em outros países do Sahel, as intervenções militares estrangeiras são muitas vezes vistas como uma causa e não uma solução para o recrutamento de milícias armadas. O problema mais elementar é a falta de confiança da população com relação à política do país. Nesse caso, as intervenções militares não são bem uma solução.
Para a Alemanha e seus parceiros europeus, isso significa que mais apoio às forças de segurança malianas só faz sentido na medida em que pode apoiar processos políticos construtivos. No Sahel, uma maior resiliência à crise climática pode ser uma abordagem importante. Abordagens técnicas, como a expansão e modernização do serviço meteorológico nacional, podem contribuir para uma maior resiliência às mudanças climáticas no Mali. Países doadores como a Alemanha também devem focar seus programas no apoio a grupos populacionais marginalizados na adaptação às mudanças climáticas. Isso pode ajudar a melhorar as relações entre grupos populacionais concorrentes, bem como entre o Estado e a sociedade. A luta dos militares contra jihadistas pode ser necessária, mas só faz sentido como parte de uma estratégia maior que dá mais voz e direitos a todos os grupos da sociedade. O Afeganistão mostrou como a contínua primazia da contra insurgência militar não leva a lugar algum.
A política de estabilização alemã das últimas duas décadas no Sul Global deve ser posta à prova. É bom que os ministros das Relações Exteriores dos países do G7 tenham adotado uma declaração em sua recente reunião que reconhece os efeitos da crise climática como uma ameaça à paz e à estabilidade. Mas o foco na prevenção de crises deve ser sistematicamente reforçado para que futuras crises não nos sobrecarreguem. Os países do G7, em particular, podem e devem desempenhar um papel de liderança nessa problemática.
Fonte: https://taz.de/