Peguei um táxi na Avenida Copacabana: “Flamengo, Senador Vergueiro”. 

A pandemia criou relações estranhas. Eu trabalho com a Tássia em duas frentes, mas não a via fazia dois anos. Que saudades daquele papo bom.  A Tássia é daquelas que falam sobre tudo. Gosto de gente assim, sem limites pro debate. 

Cheguei no Flamengo. Paramos num boteco sujo, ordinário. Até nisso ela é boa. Nada de luxo, serve qualquer coisa. O importante é a conversa. Eu não sei o que houve comigo, mas, durante a noite, bebi quatro doses de Salinas. Eu não bebo quente, nada de destilado. Por que bebi nesse dia? Jamais saberei responder. O fato é que nem lembro como fui pra casa. Eu simplesmente acordei com uma ressaca romana. 

“Vou a praia curar essa ressaca”, pensei. Desci a rua. Parei no posto e já cheguei na areia com um latão. Amontoei minhas coisas, entrei na água. Ufa! Eu tava quase novo. Na saída das ondas, um moleque de uns vinte anos parou pra trocar ideia, do nada, do além. Dei atenção, ele tinha um sorriso encantador. Era da baixada. Felipe o nome dele. “Peguei o metrô na Pavuna e vim sozinho…se for depender dos outros eu não saio de casa”. Genial o Felipe. Só com essa frase ele aposentou metade dos coachs brasileiros. Dividimos uns quatro ou cinco latões. Ele sufocou uns cigarros. Normal. Isso é da vida. Dei um abraço,  agradeci pelo papo e fui voltando. 

Na travessia da Atlântica, uma mulher loura se emocionou. Esqueceu da ciclovia. Vinha uma bicicleta à toda e ela não viu. No ímpeto de salvador embriagado, puxei forte o braço dela e a trouxe de volta pra faixa. Caímos juntos no chão de Copacabana. Caralho, que nervoso! Eu não precisava de um acidente! Mas, enfim, salvei a coitada de uma bela porrada ciclística. 

A ressaca de ontem se misturou com os latões do Felipe. Eu não tava muito bem, confesso. Mas, porra. Eu não tinha como confundir aquele rosto: era a Mariliz. Sim, caceta! A Mariliz Pereira Jorge. Eu tinha poupado a vida da Mariliz. Ela tava de óculos escuros e um chapelão de palha, mas eu reconheci e não me contive: “acho que a gente devia beber um chopp… um chopp em homenagem a vida”. Foi arriscado. Foi ousado. Eu sempre pensei em como seria beber com a Mariliz. Nada sexual, vejam bem! É pura admiração. Eu queria trocar ideias sobre o mundo, sobre qualquer coisa. Estar num bar com a Mariliz já seria uma vitória. Pra minha surpresa, ela falou: “você paga”! Ah, leitores e leitoras, pagar era o de menos. Eu já tava no cheque especial. Aliás, que tipo de cidadão não vive nos limites do cheque especial? De qualquer forma, pra essa situação eu correria no banco e pediria um empréstimo ou ligaria pro gerente pra aumentar meu limite. Os gerentes adoram aumentar limites. Inclusive, eles já fazem isso sem que a gente peça. 

Sentamos no Leme Light. Como eu amo o Leme Light! Aquele encontro era digno de algo melhor, mas na hora, na emoção,  achei o Leme Light apropriado. Pedimos Colorado. Ela concordou: “também prefiro Colorado”. Que mulher perfeita!

A ideia começou a rolar. Falamos sobre feminismo, democracia, Ucrânia, eleições. Falamos de tudo. Pasmem: ela não concordava com nada que eu falava, nadinha. Não era possível! Eu vejo todos os vídeos da Mariliz. Todos, sem exceção. E o estranho é que as opiniões não batiam. Eu senti algo super conservador. Rolou um fifi com a mesa do lado. Os caras tavam falando de armas. Ela disse: “tem que armar a população mesmo”. Opa, pera lá! A Mariliz da não diria isso . Esquisito! Já comecei a odiar todos os jornalistas: “Canalhas! Só falam pra aparecer”. 

A coisa ficou feia mesmo quando falamos de racismo. Ela disse bem assim: “não tem racismo no Brasil”. Ali eu desconfiei. Não era possível. A mulher que eu amava nas telas falando algo tão baixo nível. Que vergonha! Tive pena, tive ódio, tive dó. 

Era a Mariliz. Mas não era a Mariliz que eu gostava e admirava. Parecia qualquer pessoa emitindo opiniões aleatórias sem sentido. Ela tava mais bêbada que eu? Um senso comum tosco de papagaio, quase desprezível. Fiquei irritado. Decidi pedir a conta. 

Antes de sair, ainda tentei ser simpático e comentei: “manda um abraço pro Pedro, adoro as colunas do Meio”. A resposta foi devastadora: “quem é Pedro?”.

Paguei a conta. Fui andando pra casa, triste. Tava tudo errado. Em Copacabana a gente vê de tudo. Espero um  dia encontrar a verdadeira Mariliz. Precisamos dela, da verdadeira. Todos nós.