Em momento de escalada do conflito, duas cúpulas em Berlim visam estimular a reconstrução da Ucrânia após a guerra. Alemanha propôs um “Plano Marshall” para Kiev, mas não está claro como essa conta será paga.

Exatamente oito meses depois de os primeiros tanques russos invadirem a Ucrânia, as forças de Moscou intensificam os ataques à infraestrutura de energia do país vizinho.

Granadas e drones russos também alvejaram cidades ucranianas pela primeira vez em meses, incluindo a capital, Kiev, em retaliação a recentes retomadas de território pela Ucrânia.

Num momento de escalada do conflito, a Alemanha tem marcadas nesta última semana de outubro duas cúpulas em Berlim, com o objetivo de ajudar a Ucrânia a reconstruir rapidamente infraestruturas críticas e de garantir a recuperação do país após a guerra.

O primeiro evento, nesta segunda-feira (24/10), é um fórum econômico teuto-ucraniano; o segundo, programado para a terça-feira, é a Conferência para a Recuperação da Ucrânia, organizada pela Comissão Europeia e pelo governo alemão no âmbito de seu papel como ocupante da presidência rotativa do G7, o grupo dos sete países mais industrializados do mundo.

Berlim insistiu que tratar-se de uma reunião de especialistas, não de uma conferência de doadores. Representantes do G7 e do G20 são esperados, ao lado de organizações internacionais e líderes da sociedade civil e da economia mundial.

Conta da guerra aumenta a cada dia
Enquanto isso, o colossal custo de apoiar a Ucrânia contra as forças militares russas se multiplica a cada dia. Pelo menos um terço dos empréstimos e financiamentos prometidos pelo resto do mundo estão sendo destinados a conter um déficit mensal de 4 bilhões de euros (cerca de R$ 21 bilhões) no orçamento do governo da Ucrânia.

A União Europeia, juntamente com os Estados Unidos e outros países, incluindo o Reino Unido e o Canadá, já comprometeram 93 bilhões de euros em armamentos, empréstimos e ajuda humanitária ao governo de Kiev entre fevereiro e o início de outubro, de acordo com um levantamento feito pelo Instituto de Economia Mundial (IfW) sediado em Kiel, no norte da Alemanha.

Com uma contração estimada de 30% a 35% no Produto Interno Bruto (PIB) apenas em 2022, a Ucrânia já está lutando para pagar pela guerra – sem falar do pagamento de dívidas ou da reconstrução do país.

Um novo plano Marshall?
Com a piora das finanças de Kiev, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, propuseram um plano Marshall para a Ucrânia.O nome é uma alusão ao programa multibilionário criado por Washington após a Segunda Guerra Mundial para ajudar a reconstruir a Europa.

Em artigo conjunto publicado pelo diário Frankfurter Allgemeine Zeitung nesta segunda-feira, os dois alemães afirmaram que um “esforço geracional” para reconstruir a Ucrânia precisa começar imediatamente.

“Precisamos começar já a reconstruir edifícios residenciais, escolas, estradas e pontes destruídos, a infraestrutura e o fornecimento de energia – tudo isso para que a Ucrânia possa voltar a se pôr de pé rapidamente. A forma da reconstrução vai determinar que país a Ucrânia será no futuro. Um Estado constitucional com instituições fortes? Uma economia ágil e moderna? Uma democracia vibrante que pertence à Europa?”, indagaram os dois líderes europeus.

Em podcast de vídeo no último sábado, Scholz disse que a comunidade internacional precisaria assumir um enorme compromisso para a reconstrução da Ucrânia, a fim de “fazê-la funcionar bem”, e que os países precisariam prometer ajuda financeira “por muitos e muitos anos” ou até por “décadas”.

Danos russos estimados em US$ 750 bilhões
Também ao FAZ, o primeiro-ministro ucraniano, Denys Schmyhal, comentou no domingo que os danos causados pela invasão russa já atingiram “mais de 750 bilhões de dólares”.

Em agosto, o Banco Mundial, a Comissão Europeia e o governo ucraniano calcularam em mais de 252 bilhões de dólares as perdas acumuladas no país até 1º de junho, com custo estimado de reconstrução no patamar de 348,5 milhões de dólares.

Mas isso foi antes de a Rússia promover uma escalada do conflito ao alvejar usinas energéticas e cidades ucranianas. Em editorial publicado no jornal americano The Washington Post no fim de semana, a estimativa é que a conta da guerra poderia atingir até 1 trilhão de dólares.

Schmyhal pediu a liberação de 300 bilhões a 500 bilhões de dólares em bens russos congelados por sanções de países ocidentais contra Moscou em retaliação ao início da guerra, argumentando que o dinheiro poderia ser usado para a reconstrução da Ucrânia. “Deveríamos desenvolver um mecanismo para apreender bens russos”, instou.

Problemas financeiros dos doadores
Os próprios países doadores estão considerando a perspectiva de enormes comprometimentos financeiros com Kiev, enquanto muitos lidam com os próprios altos níveis de dívidas, aumento da inflação e desaceleração do crescimento econômico.

Ao mesmo tempo, eles deverão pedir garantias robustas a Kiev de que o dinheiro será usado para os objetivos determinados. Afinal, a Transparência Internacional listou a Ucrânia como o terceiro país mais corrupto da Europa, atrás da Rússia e do Azerbaijão.

O editorial do Washington Post detalhou como centenas de milhões de dólares em ajuda internacional foram desviados por oligarcas ucranianos nos últimos anos, acusando o governo de conivência ao permitir-lhes usarem empresas estatais como “caixas automáticos”.

UE precisa combater déficit de doações
As ressalvas quanto à corrupção podem explicar em parte a hesitação da UE – comparada aos EUA – em se comprometer e distribuir financiamentos para o governo em Kiev, até agora, segundo informações divulgadas pela ferramenta de rastreamento de apoio à Ucrânia elaborada pelo IfW de Kiel.

“Os EUA estão alocando quase o dobro da soma total de todos os países e instituições da UE”, relata Christoph Trebesch, líder do grupo que compila as informações para o levantamento.

“É uma contribuição parca por parte dos países maiores da UE, especialmente porque muitas de suas verbas estão chegando à Ucrânia com grande atraso. O baixo volume de novas ajudas em meados do ano parece estar continuando agora sistematicamente.”

O eurodeputado belga Guy Verhofstadt criticou no Twitter a reação da UE , dizendo que “a Europa demora a se comprometer, e mais ainda para liberar a ajuda”, tachando as políticas do bloco de “amadorismo político e loucura geopolítica”.

Provavelmente os líderes europeus estarão dispostos a aprender com os erros anteriores nos esforços de reconstrução pós-guerra, incluindo os do Afeganistão, Iraque e Bósnia. E deverão insistir que a Ucrânia mostre planos concretos de reforma do Estado de direito e do Judiciário, necessárias para acabar com a corrupção – antes de os doadores concederem bilhões de euros para a reconstrução do país.

Fonte: DW Brasil