O partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) está no centro de uma das disputas políticas mais acirradas da Alemanha contemporânea. Embora a legenda tenha obtido vitórias eleitorais importantes em algumas regiões e siga com popularidade em alta — principalmente no leste do país —, ela foi oficialmente classificada como uma organização extremista de direita pelos serviços de inteligência interna, o que reacendeu o debate sobre os limites da democracia frente ao avanço de grupos antidemocráticos.
Em 2 de maio, a agência alemã de inteligência doméstica (BfV) classificou o AfD como uma “ameaça à ordem democrática”, segundo reportagens do Euronews e do Euractiv. O documento aponta que o partido não apenas dissemina discurso xenofóbico e islamofóbico, mas também questiona os fundamentos da ordem democrática liberal, flertando com ideias autoritárias. A decisão autoriza o monitoramento mais intensivo do partido, incluindo vigilância de integrantes e interceptação de comunicações.
A medida ocorre em meio à consolidação do AfD como uma das forças políticas mais influentes do país. De acordo com pesquisa divulgada pela DW, quase 50% dos alemães defendem a proibição do partido, um número significativo que reflete tanto a preocupação da sociedade com a sua ascensão quanto os dilemas sobre como lidar com ele sem ferir a própria legalidade democrática.
Apesar da pressão institucional, o AfD segue se beneficiando de um discurso populista ancorado em críticas à imigração, à União Europeia, à “ideologia verde” e ao que chamam de “elite política de Berlim”. A sigla tem conquistado eleitores especialmente nas regiões da antiga Alemanha Oriental, onde o ressentimento socioeconômico e a desilusão com os partidos tradicionais são maiores. O partido também vem obtendo desempenho expressivo entre jovens e setores da classe trabalhadora, em parte graças à sua presença agressiva nas redes sociais.
O caso ganhou ainda mais relevância política com o recente acordo entre partidos de centro-esquerda e centro-direita para formar um governo e conter o avanço do extremismo, conforme relatado pelo G1. Essa aliança inédita mostra que o AfD conseguiu algo incomum: unir setores historicamente rivais em nome da preservação da democracia alemã. O pacto foi assinado em diversos estados, incluindo a Turíngia, onde o AfD lidera as pesquisas para as próximas eleições regionais.
A BBC News Brasil destaca que o presidente do AfD, Tino Chrupalla, classificou a designação de “extremista” como um ataque político e prometeu recorrer judicialmente. Ele afirma que o partido representa a “verdadeira vontade do povo alemão” e denuncia uma suposta perseguição ideológica por parte das instituições do Estado. A retórica da vítima tem surtido efeito entre parte do eleitorado, alimentando teorias de conspiração e reforçando o sentimento de alienação em relação às elites políticas.
O debate sobre uma possível proibição legal do AfD ganhou força nos últimos meses, mas segue cercado de impasses. De um lado, juristas alertam que os critérios para a ilegalização de partidos na Alemanha são rígidos, exigindo provas concretas de tentativa de subversão do sistema democrático. De outro, há o temor de que uma eventual proibição transforme o partido em mártir e gere um efeito contrário, aumentando sua base de apoio por meio da radicalização.
A situação atual coloca a Alemanha diante de um dilema crucial sobre os limites da tolerância democrática. Como sintetiza a cientista política alemã Hannelore Roth, em entrevista à Euronews: “A democracia precisa saber se defender, mas também precisa manter sua legitimidade. Lutar contra o extremismo não pode significar abrir mão do próprio Estado de Direito.”
Nos próximos meses, o desenrolar judicial e político dessa crise poderá redefinir o rumo da democracia alemã — e servirá como exemplo de como lidar (ou não) com a ascensão da extrema direita em tempos de crise institucional e polarização social.
