José Mujica, ex-presidente do Uruguai e uma das figuras mais emblemáticas da esquerda latino-americana, faleceu em 13 de maio de 2025, aos 89 anos, em sua residência rural em Rincón del Cerro, nos arredores de Montevidéu. A causa da morte foi um câncer de esôfago, diagnosticado em 2024.
O governo uruguaio decretou três dias de luto oficial. Milhares de cidadãos prestaram homenagens no velório realizado no Palácio Legislativo. O cortejo fúnebre percorreu locais simbólicos de Montevidéu, incluindo a sede do Movimento de Participação Popular (MPP), partido fundado por Mujica. Líderes políticos de diversas correntes, incluindo os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Gabriel Boric, do Chile, estiveram presentes para homenagear o ex-presidente.
A trajetória política de José “Pepe” Mujica, insere-se no contexto da chamada “onda rosa”, expressão utilizada para designar a ascensão de governos de esquerda e centro-esquerda em diversos países da América Latina no início do século XXI. Diferentemente das experiências revolucionárias do século XX, a esquerda rosa caracterizou-se por adotar um caminho democrático, institucional e moderado, com foco em políticas sociais de inclusão, redistribuição de renda e fortalecimento do papel do Estado na economia — sem, no entanto, romper com a economia de mercado.
Pepe Mujica tornou-se símbolo dessa vertente. Ex-guerrilheiro tupamaro que passou 14 anos preso durante a ditadura uruguaia, Mujica ganhou projeção internacional por sua vida austera e sua coerência entre discurso e prática. Sua presidência foi marcada por avanços sociais emblemáticos: legalização da maconha, do casamento homoafetivo e do aborto, além de medidas de redistribuição de renda e fortalecimento da agricultura familiar. Ao mesmo tempo, evitou confrontos com o setor financeiro e buscou um diálogo institucional com o empresariado, o que evidencia o tom conciliador característico da esquerda rosa.
A ascensão de Mujica ocorreu num cenário regional em que líderes como Lula (Brasil), Néstor e Cristina Kirchner (Argentina), Evo Morales (Bolívia), Chávez (Venezuela) e Rafael Correa (Equador) também assumiam o poder, impulsionados por uma conjuntura econômica favorável com o boom das commodities associado ao crescimento chinês. Ao lado de outras lideranças da região, seu governo mostrou que era possível promover avanços sociais dentro das regras do jogo democrático, sem recorrer ao autoritarismo ou à ruptura institucional (com exceção do caso venezuelano).
Mujica ganhou reconhecimento internacional por seu estilo de vida austero. Recusou-se a morar no palácio presidencial, preferindo sua modesta chácara nos arredores de Montevidéu. Doava cerca de 90% de seu salário presidencial para instituições de caridade e pequenos empreendedores. Dirigia um Fusca azul e frequentemente era visto realizando tarefas cotidianas sem escolta. Sua postura anticonsumista e suas reflexões filosóficas sobre a vida e a política lhe renderam o apelido de “o presidente mais pobre do mundo”. Pepe demonstrou que é possível fazer política com ética, simplicidade e compromisso com grupos historicamente marginalizados. Durante o funeral, o presidente Lula, amigo pessoal de Mujica, declarou que “uma pessoa como Pepe não morre”
