Na quinta-feira, 05 de agosto, o novo presidente do Irã, Ebrahim Raisi, fez o juramento de posse em uma cerimônia no Majlis, em Teerã. Este foi um momento decisivo na história política da República Islâmica, já que, de muitas maneiras, o país está em uma encruzilhada.
O sistema islâmico continua a desfrutar de uma ampla base social, mas a erosão está ocorrendo. A economia está em crise. A corrupção desacreditou o regime e causou alienação entre o povo. Mas, paradoxalmente, a ascensão do Irã como potência regional é uma realidade. Além disso, Raisi é uma figura popular justamente por conta de seu histórico como presidente da Suprema Corte que reprimiu a corrupção.
A participação nas eleições nacionais do Irã é restrita a candidatos leais ao Velayat-e faqih – tutela do jurista islâmico – um sistema de governo que o país adotou após a Revolução Islâmica de 1979 e que tem raízes no Islã xiita e justifica o governo do clero sobre o Estado. Mas o governo permite eleições livres, uma vez que o empoderamento do povo é o alicerce da legitimidade do sistema político do país.
Os Estados Unidos têm um problema com Raisi, na medida em que ele foi um dos promotores organização militar conhecida como Mujahedin-e Khalq, que defendia abertamente a derrubada da República Islâmica por meios violentos. Dizer que a questão dos direitos humanos é trazida à tona para manchar a imagem de Raisi não é o principal hoje, mas sim pensar sobre a ascensão de um novo líder que deve consolidar o legado revolucionário do Irã em um momento crucial, quando a política interna do país novamente se cruza com as suas relações com os EUA.
A política xiita é notoriamente turbulenta
No complexo sistema político iraninano, o líder supremo (Aiatolá) controla e equilibra as instituições, mas o partidarismo continua sendo permitido. Nesse sentido, a eleição de Raisi é um divisor de águas. Pela primeira vez desde o final da década de 1990, a presidência, o Majlis (legislativo) e o judiciário devem agir em conjunto.
Isso significaria, por um lado, um foco muito maior na restauração da base social da revolução, o que exige enfrentar os desafios econômicos do desemprego e da pobreza, justiça social, distribuição equitativa da riqueza e assim por diante. Em uma cerimônia em Teerã na terça-feira, 03 de agosto, o líder supremo Ali Khamenei pediu a Raisi que “capacite as classes média e baixa da sociedade que estão arcando com o fardo dos problemas econômicos”.
Por outro lado, o sistema político gravitará de volta ao credo nacionalista, dando as costas ao clamor pela integração do Irã às economias ocidentais, que havia sido o fio condutor do acordo nuclear de 2015 negociado pelo governo do ex-presidente Hassan Rouhani.
Basta dizer que os “reformistas” que navegaram nas estratégias iranianas nos últimos oito anos perderam terreno. Nos Estados Unidos, o cálculo do governo Biden era de que o governo reformista de Rouhani concluiria um acordo nuclear que comprometeria a presidência de Raisi com uma trajetória orientada para o engajamento posterior com o Ocidente. Mas isso não aconteceu, em grande parte por causa do papel poderoso desempenhado pelo Majlis dominado por forças conservadoras.
De acordo com o The New York Times, os políticos de Biden estavam otimistas sobre uma rodada final de negociações em Viena antes da transferência de poder no Irã em agosto passado. Mas os negociadores iranianos não voltaram a Viena. Khamenei falou sobre as razões pelas quais os EUA não são confiáveis ??em seu “discurso de despedida” para Rouhani e seu gabinete, censurando-os implicitamente por sua ingenuidade sobre as intenções hostis dos americanos em relação ao Irã. Até mesmo alguns dos parceiros do Irã que desejavam desempenhar um papel “construtivo” em Viena foram pegos de surpresa.
Em 02 de agosto, o jornal russo Izvestia citou Mikhail Ulyanov, embaixador da Rússia na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Para Ulyanov, “o Irã está se afastando ainda mais de seus compromissos sobre o Plano Global de Ação Conjunta ou Acordo Nuclear Iraniano. Na verdade, há algo de irracional nisso porque, se as negociações levarem a um acordo, todos esses desvios terão que ser revertidos…Quanto mais o Irã se desviar de suas obrigações iniciais, mais tempo levará o processo, o que afetará o prazo para a retirada das sanções.”
Quando questionado sobre como a Rússia via a decisão de Teerã de aumentar seu estoque de urânio enriquecido, Ulyanov observou: “Certamente não estamos entusiasmados com isso”. Obviamente, a Rússia está infeliz com o fim da festa em Viena. O que vemos aqui é até que ponto o Irã irá para preservar sua autonomia estratégica.
Desde então, Washington reagiu revertendo um acordo sobre a troca de prisioneiros por motivos humanitários. A retórica dos EUA também ficou mais hostil. Basicamente, os EUA não estão acostumados a lidar com um estado do Golfo Pérsico em pé de igualdade. Raisi afirmou que tem uma mente aberta nas negociações em Viena e também quer que o Irã se livre das sanções a fim de realizar todo o seu potencial de desenvolvimento, mas ressaltou que não está interessado em negociações por si só.
Raisi não terá pressa em negociar um acordo nuclear, a menos que os EUA mostrem disposição para incluir as principais demandas do Irã. Isso significa acabar com as sanções e criar mecanismos de verificação que possam garantir que a nova estrutura acordada será mantida de forma durável e estável.
Imagem: Anadolu Agency/Getty Images