Talibã e China ensaiam uma aproximação para discutir os problemas da província chinesa de Xinjiang. Desde a saída das tropas americanas do Afeganistão, o grupo fundamentalista passou a controlar várias áreas do país, totalizando hoje 65% do território afegão . Se os dois lados podem construir uma aliança mutuamente benéfica, no entanto, dependerá da capacidade e disposição do Talibã em controlar grupos extremistas que até agora têm sido fundamentais para seu sucesso nas novas empreitadas.
Quando o co-fundador do Talibã, Mullah Baradar, recentemente liderou uma delegação que foi a Pequim, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, pediu especificamente ao grupo para “romper claramente” com as organizações terroristas. Isso inclui, principalmente, o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental (ETIM), grupo muçulmano de etnia uigure que promove diversos ataques na região de Xinjiang, localizada no oeste chinês. Designado pelas Nações Unidas como uma organização terrorista, o ETIM visa, em última instância, transformar Xinjiang em um estado independente.
Xinjiang é também onde a China mantém cerca de um milhão de uigures em “campos de reeducação”. Os analistas e a mídia frequentemente fazem uma analogia com os campos de concentração nazista. Essa comparação é parte fundamental do discurso da minoria uigure contra Pequim. Um relatório do Conselho de Segurança da ONU, publicado em maio deste ano, disse que o ETIM tem uma agenda “transnacional” para atingir Xinjiang, bem como o Corredor Econômico China-Paquistão no Paquistão.
O relatório disse que aproximadamente 500 combatentes do grupo operam no norte e nordeste do Afeganistão, principalmente nos distritos de Raghistan e Warduj, na província de Badakhshan, e que o ETIM colabora estreitamente com outros grupos militares islâmicos conhecidos por lançar ataques no Paquistão. A ETIM também tem uma forte presença nas províncias de Kunduz e Takhar, enquanto seu chefe de logística e líderes religiosos estão baseados na província de Paktika.
Em troca de “cortar laços” com a ETIM, a China pretende oferecer ao Talibã não apenas o reconhecimento do grupo como uma “força política genuína”, mas também uma série de investimentos nos país. O presidente Ashraf Ghani, cujo governo é apoiado pelos EUA, rejeitou principalmente os avanços da Nova Rota da Seda de Pequim.
A liderança do Talibã parece interessada nas ofertas de Pequim, mas neste momento mantém seu foco nos esforços de guerra, onde os sucessos no campo de batalha estão melhorando sua capacidade de negociação em relação a Ghani diariamente. Não está claro para a maioria dos analistas se o Talibã está atualmente disposto a enfrentar as milícias e terroristas, incluindo o ETIM, que agora estão alinhados com sua luta contra Cabul.
Mas Pequim está preocupada com a presença conhecida do ETIM na província de Badakhshan, no norte, que faz fronteira com a China e agora está sob controle nominal do Talibã. Vale lembrar que o Talibã prometeu da mesma forma cortar laços com a Al-Qaeda como parte de seu acordo de fevereiro de 2020 com os Estados Unidos, mas ao que tudo indica não conseguiu romper conexões com o grupo terrorista global.
O relatório da ONU indica que o Talibã continuou a lutar ao lado de militantes da Al-Qaeda após o acordo de Doha, incluindo um ataque no final de 2020 à Base Aérea de Bagram. O grupo também concordou com uma ampla redução da violência antes da retirada das tropas dos EUA que não foi honrada. Isso é um reflexo das divisões internas do Talibã em linhas político-militares, tribais e regionais.
O relatório da ONU diz que a liderança do Talibã não revelou inicialmente os detalhes do acordo dos EUA em Doha, a saber, sobre o compromisso de cortar laços com a Al-Qaeda e outros combatentes estrangeiros como o ETIM, por medo de uma reação adversa. O documento relata que o compromisso de cortar relações é um “assunto que surgiu repetidamente como um tópico de debate acirrado”. A Al-Qaeda, assim como a ETIM, também atua na província de Badakhshan, no norte da fronteira com a China, assim como em 11 outras províncias, de acordo com a ONU.
Como um comentário recente publicado no Global Times, o porta-voz oficial do Partido Comunista Chinês disse que os legisladores chineses tendem a acreditar que fazer do Talibã um inimigo só piorará a situação para Pequim. Embora se acredite que o ETIM tenha uma presença forte o suficiente no Afeganistão para realizar ataques em Xinjiang, o grupo não atacou a China continental desde que Pequim iniciou seus contatos preliminares com o Talibã em 2018.
Não está claro até que ponto o Talibã exerceu uma influência restritiva sobre o ETIM. O que está óbvio é que o grupo sente que pode fazer negócios com a China. Primeiro, porque não compartilha da agenda democratizante do Ocidente e, em segundo lugar, porque o país parece disposto a tolerar a formação de um emirado islâmico liderado pelo Talibã em sua fronteira sem interferir em seu assuntos de política interna, desde que seus interesses essenciais sejam atendidos.
O Talibã, ao que parece, dificilmente romperá com o ETIM até que tenha garantido uma vitória militar e política clara no Afeganistão. Como mostram as recentes vitórias do grupo, o Talibã continua a usar grupos transnacionais como o ETIM para estender o controle além de seu coração tradicional no sul do Afeganistão. Dada a composição transnacional do grupo, a dissolução de grupos não-talibãs, incluindo o ETIM, correria o risco de quebrar a coesão entre os combatentes estrangeiros que agora está alavancando um efeito devastador contra as Forças de Segurança Nacional afegãs.
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