Nos últimos dias, milhares de imigrantes — entre eles, um número expressivo de brasileiros — começaram a receber notificações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal (SEF) exigindo que deixem o país em até dez dias. A medida, que atingiu cerca de 18 mil pessoas até o momento, tem gerado forte repercussão nas comunidades migrantes e provocado reações tanto do governo brasileiro quanto de especialistas em migração.

Segundo o Poder360, as notificações têm como base o artigo 135 da Lei de Estrangeiros portuguesa, que trata da saída voluntária de cidadãos estrangeiros em situação irregular. O dispositivo legal já existia, mas vinha sendo flexibilizado desde 2022, quando Portugal passou a permitir que imigrantes solicitassem a regularização mesmo sem visto prévio — bastava comprovar vínculo empregatício. Com a reformulação da Agência para a Imigração e Mobilidade (AIMA), criada para substituir o SEF, essa política passou por uma guinada mais rigorosa, especialmente diante de críticas internas sobre a morosidade na análise de pedidos e da crescente pressão por controle migratório.

A BBC Brasil informa que muitos brasileiros foram surpreendidos pelas notificações, mesmo tendo dado entrada em seus processos de legalização há mais de um ano. É o caso da capixaba Carla, entrevistada pela reportagem, que vive em Lisboa há quase dois anos, trabalha formalmente e ainda assim foi intimada a deixar o país: “É como se não bastasse esperar tanto tempo. Agora parece que tudo foi em vão”, lamenta.

A situação evidencia uma crise de gestão migratória. A AIMA herdou mais de 400 mil processos acumulados do antigo SEF, dos quais 347 mil são de brasileiros, conforme informado pelo governo luso. Apesar disso, os sistemas continuam sobrecarregados, com respostas lentas, e muitos pedidos seguem sem análise. “É um problema estrutural de má administração e burocracia excessiva, que está penalizando quem buscou seguir o caminho legal”, explica o advogado português André Fragoso, especialista em Direito de Imigração, ao G1.

Além da desorganização administrativa, especialistas apontam que as notificações podem ser uma estratégia política para responder à crescente pressão social por controle migratório em Portugal. “Há um discurso crescente sobre o ‘excesso’ de imigrantes no país, especialmente nas grandes cidades. Notificações em massa, ainda que ineficazes na prática, sinalizam uma resposta do governo a esse sentimento”, avalia a socióloga Raquel Ribeiro, da Universidade de Coimbra.

O governo brasileiro, por meio do Itamaraty, afirmou estar “acompanhando de perto” a situação. Em nota publicada no dia 4 de maio e repercutida pelo UOL, o Ministério das Relações Exteriores informou que mantém diálogo com autoridades portuguesas e recomendou aos brasileiros notificados que procurem os consulados para orientação jurídica. Também destacou que a notificação não implica deportação imediata, e que os cidadãos têm direito à defesa e ao reingresso posterior.

Apesar disso, o clima nas comunidades migrantes é de angústia e desinformação. Muitos temem perder empregos ou não conseguir renovar contratos de aluguel caso sejam obrigados a sair do país temporariamente. Para Raquel Ribeiro, o mais preocupante é o efeito psicológico da medida: “Trata-se de uma política que produz medo, instabilidade e exclusão social, mesmo entre aqueles que já estão integrados na sociedade portuguesa.”

A crise traz à tona os limites do modelo migratório luso, que, ao mesmo tempo em que promoveu uma abertura generosa no papel, falhou em oferecer infraestrutura institucional para sustentar essa escolha. Agora, com a mudança de clima político e o endurecimento das práticas, milhares de brasileiros veem-se à mercê de decisões administrativas tomadas à revelia de suas histórias e vínculos com o país.