A convocação militar de Putin foi criticada pelos próprios apoiadores do Kremlin, algo inédito na Rússia desde o início de sua “operação militar especial” na Ucrânia.
Os dois legisladores mais importantes da Rússia promoveram uma série de queixas sobre a campanha de mobilização da Rússia, ordenando que as autoridades regionais controlassem a situação e resolvessem rapidamente os “excessos” que alimentaram a ira do público.
Valentina Matviyenko, presidente da câmara alta da Rússia, o Conselho da Federação, disse que “tais excessos são absolutamente inaceitáveis”. Em uma mensagem enviada direta aos governadores regionais da Rússia – que ela disse ter “total responsabilidade” pela implementação da convocação – ela escreveu: “É preciso garantir que a implementação da mobilização parcial seja realizada em total e absoluta conformidade com os critérios descritos. Sem um único erro.”
Vyacheslav Volodin, presidente da Duma Estatal, câmara baixa da Rússia, também expressou preocupação em um post separado. “As denúncias estão sendo recebidas”, disse ele. “Se um erro for cometido, é necessário corrigi-lo. As autoridades em todos os níveis devem entender suas responsabilidades.”
O editor do canal de notícias estatal RT, que sempre foi declaradamento pró-Kremlin, também expressou descontentamento por oficiais de alistamento estarem enviando papéis de convocação para os homens errados à medida que cresce a frustração com a mobilização militar.
“O Açogueiro de Mariupol”
A primeira mobilização pública da Rússia desde a Segunda Guerra Mundial desencadeou uma corrida para a fronteira com centenas de prisões e desconforto generalizado entre a população. A medida também atraiu críticas dos próprios apoiadores do Kremlin, algo quase inédito na Rússia desde o início da invasão. “Foi anunciado que os soldados podem ser recrutados até a idade de 35 anos. As convocações vão para pessoas de 40 anos”, disse a editora-chefe da RT, Margarita Simonyan, em seu canal Telegram.
Em outro raro sinal de turbulência, o Ministério da Defesa anunciou no sábado que o vice-ministro encarregado da logística, general Dmitry Bulgakov, havia sido substituído pelo coronel-general Mikhail Mizintsev, um oficial do Exército de longa data. Mizintsev foi chamado pela União Europeia de “Açougueiro de Mariupol” em função de sua orquestração de um cerco à cidade portuária ucraniana no início da guerra que matou milhares de civis.
De acordo com as principais agências de notícias nacionais, a Rússia parece pronta para anexar formalmente uma faixa do território ucraniano na próxima semana. Quatro referendos tiveram início na última sexta em regiões ucranianas já ocupadas. Kiev e o Ocidente denunciaram os votos como “uma farsa” e disseram que os resultados a favor da anexação são pré-determinados.
Para o esforço de mobilização, autoridades russas dizem que são necessários 300.000 soldados, com prioridade para pessoas com experiência militar recente e habilidades vitais.
O presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy – que repetidamente pediu aos russos que não lutassem – disse que as autoridades sabiam que estavam enviando pessoas para a morte. “Fugir dessa mobilização criminosa é melhor do que ser mutilado e depois ter que responder no tribunal por ter participado de uma guerra”, disse ele em russo em um discurso em vídeo no sábado.
A Rússia conta oficialmente com milhões de reservistas e o decreto de quarta-feira anunciando a “mobilização parcial” não deu critérios para quem seria convocado. Surgiram relatos de homens sem experiência militar ou fora da idade de alistamento que recebram documentos de convocação, o que aumentou a indignação dos manifestantes anti-guerra.
Mais de 1.300 manifestantes foram presos em 38 cidades na quarta-feira. Na noite de sábado mais de 740 foram detidos em 30 cidades de São Petersburgo à Sibéria, de acordo com o grupo independente de monitoramento OVD-Info.
O chefe do Conselho de Direitos Humanos do Kremlin, Valery Fadeyev, escreveu para o Ministro da Defesa, Sergey Shoigu, pedindo para que ele “resolva urgentemente” os problemas. Sua postagem no Telegram criticou a forma como as isenções estavam sendo aplicadas e listou casos de alistamento inadequado, incluindo enfermeiras e parteiras sem experiência militar.
“Alguns [recrutadores] entregam os papéis de convocação às 2h da manhã como se achassem que todos nós somos trapaceiros”, disse ele.
‘Bucha de canhão’
Desde quarta-feira, as pessoas fizeram filas por horas para atravessar a Mongólia, Cazaquistão, Finlândia ou Geórgia, com medo de que a Rússia pudesse fechar suas fronteiras, embora o Kremlin diga que os relatos de um êxodo são exagerados.
O governador da Buriácia, região adjacente à Mongólia e lar de uma minoria étnica mongol, reconheceu que alguns receberam documentos indevidamente e disse que aqueles sem experiência militar ou que tivessem isenções médicas estariam isentos.
No sábado, Tsakhia Elbegdorj, presidente da Mongólia até 2017 e agora chefe da Federação Mongol Mundial, prometeu àqueles que fogem do alistamento militar, especialmente os três grupos mongóis russos, uma recepção calorosa e pediu sem rodeios a Putin que acabasse com a guerra. “Os mongóis de Buryat, os mongóis de Tuva e os mongóis de Kalmyk foram usados ??como nada mais do que bucha de canhão”, disse ele em um vídeo, usando uma fita em amarelo e azul ucraniano.
Fonte: Al Jazeera